Magistratura tem mais uma juíza com mestrado em MS
Ela foi aprovada no exame de qualificação em janeiro deste ano e essa semana foi aprovada na defesa da dissertação. Questionada sobre qual é o sentimento que a atinge no fechamento de dois anos de trabalho, a juíza Mariana Rezende Ferreira Yoshida, da comarca de Rio Brilhante, responde com simplicidade: “chorei horrores”.
Na verdade, o choro de Mariana foi de emoção, de alegria por chegar na reta final. “O caminho não foi fácil, embora tenha sido muito gratificante. Produzir a pesquisa com esse tema, ingressar no mundo acadêmico e científico, que é novo para mim, conhecer pessoas que sempre admirei, como meu orientador e outros/as professores/as e colegas, para ao fim de dois anos entregar o resultado foi uma grande realização”, explica ela.
A proposta da juíza de MS abordou a ‘Discriminação por motivo de gênero e barreiras no acesso ao segundo grau de jurisdição no Brasil por magistradas de carreira’ e foi apresentada no mestrado em Direito e Poder Judiciário, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).
Ela foi avaliada pelo que considera a banca dos sonhos: prof. Dr. Roger Raupp Rios (orientador), profª Drª Fabiana Cristin Severi (USP/Ribeirão Preto), profª Drª Adriana Ramos de Mello (Enfam) e o prof. Dr. André Augusto Salvador Bezerra (Enfam). “Sempre quis desenvolver um trabalho com esses/as professores/as e dialogar com essas pessoas sobre o que eu tinha feito foi uma alegria ímpar”, complementa.
Quando questionada sobre os possíveis resultados práticos de sua pesquisa, Mariana explicou que o mestrado da Enfam é profissional, o que significa dizer que os trabalhos devem ser propositivos, ou seja, apresentar sugestões de mudanças para o problema que estudou.
“Não arriscaria dizer qual o resultado prático com exatidão, contudo trago várias sugestões que podem ser aplicadas pela alta gestão dos Tribunais e do Poder Judiciário para tratar/responder à desigualdade de gênero nos tribunais de segundo grau. Sabemos que algumas proposições são de difícil implementação porque vivemos numa sociedade patriarcal, que insiste em ignorar os direitos humanos das mulheres. No âmbito institucional, o Poder Judiciário brasileiro repete esse padrão, de modo que as ações afirmativas com maior potencial transformador, como as cotas e nomeações alternadas no segundo grau, sequer são debatidas e tendem a gerar enorme resistência. Talvez a maior inovação da pesquisa seja trazer esse debate”, explicou.
Dentre as sugestões propostas por Mariana estão o aperfeiçoamento da cota racial para os concursos da magistratura, a paridade de gênero nas bancas de concurso e a realização de um novo censo. Ressalte-se que muitas medidas estão em curso pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e já estão acontecendo.
Para Mariana, as magistradas brasileiras têm ainda um percurso difícil a percorrer e o trabalho desenvolvido por ela nos dois últimos anos mostra que barreiras concretas existem. Ela cita o espaço associativo como exemplo de um espaço importante a ser preenchido por uma mulher. “Entendo que as associações da magistratura, por exemplo, são lugares de destaque, de fomento, e espero que mais colegas despertem para esses espaços como ponto importante de alavancagem de suas carreiras”, concluiu.
Como participa de dois grupos de pesquisa do mestrado da Enfam, a juíza de MS não pretende se afastar do mundo acadêmico e sim contribuir com mais pesquisas.
Saiba mais - Investigar a sub-representação feminina do ingresso aos Tribunais de segundo grau. Este é um dos objetivos da pesquisa de mestrado desenvolvida pela juíza Mariana Yoshida.
A pesquisa aborda várias vertentes e tem como recorte os cargos na magistratura, desde juíza substituta até o cargo de desembargadora, em razão da possibilidade de se delimitar o tema da pesquisa, enquanto se busca descobrir o porquê da sub-representação feminina do ingresso até o segundo grau.
Para o trabalho foram utilizadas 10 pesquisas realizadas pela AMB, Ajufe, CNJ e a Escola Nacional da Magistratura do Trabalho, que permitiu um levantamento sobre quantas eram as magistradas - inclusive investigando o que sentem, o que percebem sobre o tema ao longo da carreira.
Assim, esses documentos foram estudados com profundidade e, usando os métodos da perspectiva de gênero e da pesquisa documental, foi possível identificar algumas barreiras que impedem que na magistratura exista um número igualitário de homens e mulheres nos tribunais de segundo grau.
Com um trabalho minucioso foram identificadas barreiras específicas como para o ingresso; existe maior afetação da vida pessoal pelo exercício do cargo; as mulheres perdem mais oportunidade de ascensão, em razão de papéis de gênero; a discriminação englobando gênero e raça; elas sofrem atitudes discriminatórias no cotidiano de trabalho tanto por jurisdicionados quanto por integrantes do próprio sistema de justiça; há um maior grau de dificuldade das mulheres pelo exercício do cargo; são menos indicadas para cargos com critérios subjetivos de ocupação, e as magistradas têm mais dificuldade de promoção, especialmente por merecimento.
Identificadas as barreiras, a etapa seguinte foi tratar do direito da antidiscriminação para verificar de que maneira é possível diminuir o impacto dessas barreiras, permitindo que as mulheres tenham oportunidades igualitárias na carreira.
A juíza cita algumas descobertas sobre a participação feminina na justiça estadual sul-mato-grossense e lembra que o TJMS foi criado em 1979, mas apenas em 1990 a primeira mulher alcançou o cargo de desembargadora: Dagma Paulino dos Reis.
Em 2003, a Desa Tânia Garcia de Freitas Borges ingressa do TJMS, seguida pela Desa Marilza Lúcia Fortes (2006), da Desa Maria Isabel de Matos Rocha (2012), pela Desa Dileta Terezinha de Souza Thomaz (2018) e finalmente pela Desa Elizabete Anache (2019).
Além de ser a primeira desembargadora do TJMS, Dagma Paulino dos Reis foi também a primeira juíza de MS, em 1979, na comarca de Rio Brilhante. Desde que foi criado em 1979, o Tribunal de Justiça de MS teve 80 ocupantes do cargo de desembargador, dentre os quais somente seis são mulheres – o que representa 7,5%.
E mais: das seis desembargadoras, uma veio do Ministério Público pelo quinto constitucional e das cinco oriundas da magistratura, somente uma foi promovida por merecimento. Os números mostram ainda que, das 79 comarcas de MS, algumas nunca tiveram uma juíza titular atuando.